O que a vulnerabilidade tem a ensinar aos líderes do futuro
O que a vulnerabilidade tem a ensinar aos líderes do futuro
A figura do executivo solitário está perdendo espaço para o líder facilitador, que admite suas imperfeições e cria condições para o sucesso conjunto. Confira a matéria escrita por Barbara Nór para a Você RH.
O mito do super-herói não nos serve mais. E essa talvez seja uma das maiores lições dos últimos anos, em meio à pandemia, guerra na Ucrânia e crise econômica. A ideia de heróis com força e habilidades sobre-humanas que, sozinhos, dariam conta de salvar o mundo ganhou popularidade, aliás, em um período também de abalos econômicos e guerra, nos anos 1940. Em meio à insegurança e ao medo, eles trariam esperança por serem praticamente invencíveis — a não ser por uma determinada vulnerabilidade, cada qual com a sua, que poderia levá-los à derrota.
Em muitos sentidos, a figura do herói se aproxima à de um líder: uma posição solitária, em que, do alto, ele consegue ver além e apontar a direção certa para os demais. Mas essa história começa a mudar.
Para Mariana Achutti, CEO da escola corporativa Sputnik, estamos vivendo uma transição da chamada liderança heroica para uma liderança facilitadora. “O líder herói era quem tinha todas as respostas, e todos saíam correndo para executar o que ele pedia”, diz. Já o líder facilitador é aquele que vai garantir as condições para as pessoas trabalharem em conjunto de forma que cada uma possa dar o seu melhor. “Ele aprende junto e busca junto as soluções com o time.” Longe de ser inatingível, seu maior poder é a vulnerabilidade.
Um estudo de 2021 com mais de 12 mil funcionários ao redor do mundo, feito pela organização sem fins lucrativos Catalyst, indicou que quanto mais os gestores são abertos e demonstram vulnerabilidade, mais as pessoas estão dispostas a se dedicar no trabalho. No entanto, apenas 39% afirmam que o líder mostra com frequência abertura, e apenas 24% veem demonstrações de vulnerabilidade.
Condição humana
A vulnerabilidade é uma condição básica do ser humano. Todos podemos ser atingidos pelo que acontece ou pelo que fazem conosco, tanto do ponto de vista físico quanto do emocional. Demonstrar vulnerabilidade significa se expor: é admitir falhas, dizer que não sabe algo. Ou então demonstrar emoções como felicidade, medo, dúvida e mágoa — e correr o risco de ser julgado por isso. O problema é que, desde cedo, aprendemos a suprimir esse lado, inclusive como forma de proteção.
O receio de errar e decepcionar faz com que se crie uma armadura. Preconceitos sociais também entram na conta. “Para o homem, chorar é símbolo de fraqueza; para a mulher, de descontrole”, diz o artista Marcio Libar, que ministra oficinas de vulnerabilidade junto à Sputnik. Ele desenvolveu uma metodologia para trabalhar a questão depois de perceber como suas experiências como ator e palhaço se conectavam com desafios vividos por atletas e executivos.
“Enquanto você executa sua função, a plateia assiste, você recebe aplausos e vaias”, afirma. No mundo corporativo, ele diz, é a mesma coisa: há sempre um público julgando o desempenho de cada um.
Qualidade essencial
Não à toa, o que especialistas vêm afirmando é que demonstrar vulnerabilidade é essencial se quisermos ter ambientes de confiança, que inspirem a colaboração e a conexão de forma mais profunda, algo que vem se mostrando cada vez mais necessário. Afinal, nos últimos dois anos, quando o medo e a insegurança se espalharam junto com o vírus, ficou evidente quanto não havia respostas certas — seria impossível decidir, sozinho, o caminho a seguir. “As empresas estão experimentando uma volatilidade e incerteza que nunca viram antes, e isso só vai piorar”, diz Marcelo Cardoso, fundador da consultoria Chie. “A ideia de que é possível planejar e controlar tudo na gestão caiu por terra.”
Uma das características deste momento é a complexidade, ele diz. Nesse cenário, é preciso tentar identificar padrões que emergem ao longo do tempo; portanto, não há uma única resposta possível para os problemas. “O imperativo para compreender esse sistema complexo é a capacidade de uma organização acessar a diversidade cognitiva de seus times”, diz Marcelo. Isso faz com que as empresas tenham que se assemelhar a escolas, a lugares em que seja possível haver conflitos produtivos como forma de gerar novas ideias e conhecimentos.
Isso exige um ambiente em que todos se sintam à vontade para contribuir. Significa poder dar opinião sem medo de falar a coisa errada, testar ideias, compartilhar erros e aprendizados. Não se trata de uma harmonia completa e artificial, mas de um ambiente em que seja possível ter discordâncias de maneira segura e saudável. “O líder precisa ser um facilitador de contexto de aprendizagens, e isso só vai acontecer se as pessoas confiarem nele”, diz Marcelo. O ponto de entrada de tudo isso seria a vulnerabilidade.
“Quando a liderança se vulnerabiliza, permite que você identifique medos em comum. Isso gera empatia e favorece a confiança e a comunicação”, afirma Ana Carolina Souza, neurocientista e sócia da Nêmesis, consultoria de neurociência organizacional. Por outro lado, a ideia de uma liderança perfeita e rígida, que sempre sabe o que está fazendo, é muito mais difícil de gerar conexões. “A liderança também ganha quando reconhece o espaço em que a equipe pode contribuir e para de considerar que o controle é real.”
Essa transformação viria também para quebrar uma narrativa polarizadora ainda muito presente no imaginário corporativo, avalia Mariana. “É como se a liderança e os liderados fossem opostos e trabalhassem sempre de forma conflituosa”, diz. No fim das contas, isso gera desgaste psicológico e emocional. Resultado: improdutividade e desmotivação nas organizações. “Precisamos parar de dizer que a culpa é do líder ou do time e deixar claro que estão todos no mesmo barco e trabalhando em prol da mesma coisa.”
Questão de confiança
Mas o que a pandemia também deixou ainda mais em evidência foi um problema antigo: o da confiança. Com a migração para o trabalho remoto ou híbrido, a postura de muitos líderes foi a de querer controlar a equipe mais de perto, na tentativa de checar se estava mesmo dedicada ao trabalho. “Ficou claro para os funcionários que os líderes não confiavam nas equipes uma vez que não podiam controlá-la”, afirma o economista Andrea Iorio, especialista em transformação digital e liderança.
Quando o líder não consegue ficar confortável em delegar tarefas mais importantes ou em não ver sua equipe enquanto trabalha o tempo todo, ele está, em outras palavras, inseguro pela falta de controle que sente. Mas conseguir confiar — e inspirar confiança — é fundamental inclusive para estimular mais autonomia e proatividade entre os funcionários.
Na Santa Helena, indústria de alimentos, essa virada no papel da liderança vem sendo a estratégia para que as metas de crescimento da empresa, dona de marcas como Paçoquita e Mendorato, sejam sustentáveis.
Uma das estratégias foi, a partir de 2017, convidar líderes para uma imersão de três dias, chamada de Gestão Emocional das Organizações, em que são trabalhados temas como vulnerabilidade, qualidade da escuta, empatia e autoconhecimento. Além disso, eles são chamados para “workshops vivenciais”, com dinâmicas para aprender técnicas a fim de melhorar o contato consigo mesmos e com os outros, com o apoio de um psicólogo. “Lá eles têm feedback de como se posicionam e daquilo que os colegas do grupo percebem que é preciso trabalhar no autodesenvolvimento”, afirma Elaine Ribeiro, gerente executiva de RH da Santa Helena.
“Com isso, cria-se um vínculo muito grande, porque se conhece um pouco mais da vida do outro e se vê que os medos e anseios são os mesmos.” Depois, a missão dos líderes é multiplicar para as equipes o que aprenderam.
Os treinamentos servem também para ajudar a gestão a estimular o protagonismo dos funcionários, sem deixar de ser um ponto de apoio e escuta. Desde 2018, as fábricas contam com equipes autogerenciáveis. Para cada etapa da produção, um operador assume determinadas responsabilidades, com autonomia para parar a produção e resolver problemas. Mensalmente, esses profissionais se reúnem com a liderança para apresentar indicadores e sugerir as oportunidades de mudança.
Outra iniciativa do RH é convidar cada equipe para fazer uma avaliação de pontos fortes e melhorias, tanto dos processos quanto da própria liderança, e apresentar o resultado para o líder. O trabalho ajuda a identificar problemas e a trazer um senso coletivo de responsabilidade. “O líder precisa saber ouvir a equipe e apoiar a implementação de ações. Isso aumenta o grau de maturidade”, afirma Elaine.
Segundo a executiva, essas mudanças foram fundamentais para manter a união nos últimos anos. Não só as pessoas se apoiaram durante os momentos mais difíceis da pandemia, como a autonomia maior dos funcionários permitiu que o programa interno de melhorias fosse intensificado. Só em 2021, foram cerca de 160 projetos sugeridos pelas equipes que, juntos, representaram uma economia de 18,4 milhões de reais. Além disso, o índice de avaliação da liderança foi de 65 em 2014, ano da primeira pesquisa de clima, para 88 em 2022.
Ambientes seguros geram inovação
Leia mais em: https://vocerh.abril.com.br/lideranca/o-que-a-vulnerabilidade-tem-a-ensinar-aos-lideres-do-futuro/