Pensando no presente e no futuro do trabalho, profissionais têm que se adaptar a comportamentos e habilidades que passam a ser valorizadas a fim de não se tornarem “dinossauros corporativos”. Confira participação de Michel Khouri, gerente sênior de transição de carreira da Thomas Case & Associados, em entrevista com Daniela Santos para o Correio Braziliense.
O universo do trabalho mudou. Se há 15 anos todo mundo tinha que ter no currículo um curso de digitação, hoje, isso passou faz tempo. Não porque você não precise saber como teclar no computador, mas é que a habilidade é obrigatória para muitas atividades. Não é algo que se procura durante um processo seletivo. O inglês ou outro idioma, para muitas posições, não é mais diferencial: virou requisito. Ao passo que competências socioemocionais se tornaram a caça ao tesouro dos recrutadores.
“Cada vez mais os funcionários vão ter habilidades mais humanas, como criatividade, trabalho em equipe, inteligência emocional e capacidade de resolver conflitos” Sérgio Agudo, diretor de Negócios da Udemy.
A tecnologia é um dos principais agentes de mudança do mercado. Com o avanço das máquinas e da inteligência artificial, ganha valor aquilo que equipamentos não podem substituir: as habilidades ditas humanas. O ingresso da geração Y ou dos millenials (nascidos entre 1981 e 1996) e, agora mais recentemente, da geração Z (nascidos a partir de 1997) também trouxe outro perfil de profissional para as corporações. A flexibilização passou a ser realidade em muitos ambientes: atualmente, o mercado admite outras dinâmicas e flexibilizações, como o serviço remoto, por meio do home office e os espaços de coworking.
Das modernizações decorrem quebras de paradigmas e mudanças, das mais banais às mais profundas. Muitos comportamentos se tornaram tendência, enquanto outros, antes aceitos, caíram em desuso e, em muitos casos, passaram a ser um atestado de falta de profissionalismo. Há habilidades e hábitos que passam a ser cada vez mais procurados nos funcionários; enquanto outros devem sair de cena. Antes, o perfil de chefe que dita atividades aos subordinados e, se questionado, berra era praticamente padrão.
Hoje, isso pode ser considerado assédio moral. Antigamente, casos de machismo, homofobia, gordofobia, racismo e discriminação eram muito mais comuns. Infelizmente, ainda são realidade, mas, hoje em dia, isso pode gerar demissão e processos, sendo que previamente só as vítimas sofriam. O profissional que não se preocupa com o meio ambiente existe, mas, agora, gastar papel e copo plástico demais não pega bem. Vários valores passaram a ser considerados importantes, sobrepondo-se ao que era “normal” ou “regra”.
Perfil profissional mudou
De acordo com gerente sênior de transição de carreira da Thomas Case & Associados, Michel Khouri, o mercado hoje lida com profissionais mais jovens e que têm formas de trabalhar muito diferentes das dos profissionais de antigamente. “São pessoas que estão sempre inquietas, em busca de aprendizado e reconhecimento mais rápido e experiências diversificadas. Esse pessoal é mais ousado, tem novas ideias, quer ser protagonista de um projeto e procura escolhas mais assertivas.”
Se mudaram as ferramentas, o perfil do funcionário e o modo de trabalhar, mudam também as habilidades e comportamentos exigidos, bem como o modo de verificá-los. Como exemplo disso, atualmente, as empresas têm adotado cada vez mais a inteligência artificial como instrumento de trabalho. Aliás, computadores têm a capacidade de desempenhar atividades que antes poderiam demandar a força de trabalho de várias pessoas.
Por causa dessa característica, o que se valoriza são pessoas que tenham muito mais domínio das habilidades socioemocionais, ou as soft skills, aquelas competências mais relacionadas à personalidade, aptidões mentais e emocionais das pessoas. “No futuro, as funções que são mais repetitivas vão ser feitas por uma máquina. Por isso, cada vez mais os funcionários vão ter habilidades mais humanas, como a criatividade, o trabalho em equipe, inteligência emocional e capacidade de resolver conflitos”, afirma Sérgio Agudo, diretor de Negócios para a América Latina da plataforma de educação a distância Udemy.
“É muito importante ter o preparo técnico para a sua profissão, mas a gente não vai ficar só preso àquilo: é preciso ter preparo socioemocional” Lucas Ferreira, estudante da UnB.
Seguindo essa tendência, Lucas Ferreira, 20 anos, resolveu entrar em um curso para desenvolver habilidades e discutir o futuro do trabalho. O jovem, que é estudante de engenharia elétrica na Universidade de Brasília (UnB), buscou a formação por sentir que a graduação é mais focada na parte técnica e não desenvolve competências socio-emocionais. “É muito importante ter o preparo técnico para a sua profissão, mas a gente não vai ficar só preso àquilo”, diz.
“Você vai lidar com pessoas, pode estar trabalhando e ter uma sobrecarga de tarefas. Tem que saber como enfrentar isso”, completa. Durante os encontros com profissionais de diferentes empresas, Lucas aprendeu metodologias e técnicas que poderiam ser aplicadas na empresa júnior em que trabalha. “Na minha equipe, vi que era muito importante a gente usar uma metodologia chamada Daily Scrum em que todo dia nos perguntamos o que fizemos, o que vamos fazer amanhã e quais as dificuldades”, exemplifica.
De acordo com Lucas, o método faz que com que a equipe trabalhe a comunicação e a gestão das tarefas. “Se a gente percebe que a pessoa está com dificuldade em alguma coisa, conseguimos trazer uma solução mais efetiva para o problema”, avalia. “São pequenas coisas que a gente começa aplicando aos poucos e podem fazer uma grande diferença”, completa.
Atenção à comunicação: palavrões e fofoca estão em baixa
“Precisa haver uma reflexão sobre qual imagem a gente quer ter como colaborador. A pessoa que passa ou distorce alguma informação que não deveria está prejudicando não só a empresa como sua própria imagem” Lara Amorim, psicóloga e líder do time de recursos humanos da Sólides.
Antes mesmo de as soft skills serem consideradas as habilidades do momento, a comunicação era uma competência disputada entre os empregadores. “É a base para muita coisa. Ela pode ajudar, mas também pode atrapalhar muito. Então, a pessoa que tem essa capacidade está muito à frente das outras”, frisa a psicóloga e analista de recursos humanos da QI Agência Thainá Passos. Ela considera que competências como boa comunicação, pontualidade, trabalho em equipe e proatividade sempre serão muito requisitadas pelos recrutadores.
Da mesma forma que a comunicação é um talento bem-visto pelas empresas, também pode ser um problema se feita de forma inapropriada. Um estudo desenvolvido pela plataforma de ensino on-line Udemy entrevistou profissionais de escritórios nos Estados Unidos para analisar o comportamento no ambiente de trabalho. A pesquisa mostrou que o que mais incomoda os funcionários são fofocas, discussão sobre política, uso de palavrões e conversas sobre relacionamentos amorosos.
Para os empregadores, o falatório é difícil de controlar, principalmente se a instituição for de grande porte. Cabe então aos funcionários terem consciência das consequências que uma fofoca ou outra pode trazer. Lara Amorim, psicóloga e líder do time de recursos humanos da Sólides, também chama a atenção para aquele funcionário que leva informações de dentro da empresa para pessoas de fora. “Precisa haver uma reflexão sobre qual imagem a gente quer ter como colaborador. A pessoa que passa ou distorce alguma informação que não deveria está prejudicando não só a empresa como sua própria imagem”, observa.
De olho nas redes e no celular
“A gente considera que, se a pessoa faz postagens pornográficas, sexualizadas, de extremismos políticos, religiosos, preconceitos e de espalhar notícias falsas ali fora, ela pode fazer dentro do local de trabalho. Em termos de valores para uma empresa, a gente tende a fazer uma generalização mesmo” Thainá Passos, analista de RH. “Se a pessoa postar uma foto de biquíni ou bebendo, isso não é um fator de julgamento. A gente se preocupa mais com coisas que podem afetar a saúde do grupo e não com aparência” Kellen Cristine Frajorge, gerente de RH.
Por falar em imagem, outra questão a ser observada é em relação ao comportamento nas redes sociais. Dependendo do conteúdo, uma postagem pode resultar em demissão ou ser determinante no momento de contratação. “Isso acontece porque a empresa não quer se associar com algo que talvez não tenha a ver com a identidade da marca”, explica a psicóloga e analista de recursos humanos da QI Agência Thainá Passos.
De acordo com a especialista, postagens pornográficas, sexualizadas, de extremismos políticos, religiosos, preconceitos e espalhar notícias falsas são coisas que podem pegar mal para o funcionário. Publicações com o cunho de julgamento também não são bem-vindas. “A gente considera que, se a pessoa faz isso ali fora, ela pode fazer dentro do local de trabalho. Em termos de valores para uma empresa, a gente tende a fazer uma generalização mesmo”, adverte.
Colega de Thainá, a gerente de recursos humanos Kellen Cristine Frajorge ressalta que a análise não passa por uma avaliação de aparência ou de monitoramento da vida do colaborador. “Se a pessoa postar uma foto de biquíni ou bebendo, isso não é um fator de julgamento. A gente se preocupa mais com coisas que podem afetar a saúde do grupo e não com aparência”, completa.
O uso do celular foi outra mudança que a tecnologia trouxe para o ambiente de trabalho. Se antes empregadores proibiam o item durante o expediente, hoje, para muitos, o aparelho é ferramenta de trabalho. O telefone traz facilidades que podem ajudar no dia a dia na firma, porém, às vezes podem passar um pouco dos limites. Aplicativos de troca de mensagem e e-mail fazem com que o funcionário não se desligue do ofício mesmo após o expediente.
Para Sérgio Agudo, diretor de negócios para a América Latina da Udemy, é necessário que haja um acordo entre chefes e funcionários para que esse tipo de situação não ocorra. “Hoje, as pessoas trabalham de casa, na rua e em todo lugar, mas é preciso encontrar um equilíbrio. Fazer um acordo para que haja um limite entre o que é do trabalho e o que é pessoal.”
Contra o assédio
Antigamente o líder era muito mais autoritário. O que se espera hoje é que se tenha alguém que saiba engajar a equipe, criando protagonismo. Tem que ter uma sinergia muito grande com o time. Não só gerenciar pessoas e sim desenvolvê-las” Michel Khouri, gerente sênior de transição de carreira da Thomas Case e Associados.
Situações de assédio moral e sexual ainda podem ser muito frequentes no trabalho, apesar de serem considerados muito negativos e mancharem totalmente a imagem de quem comete. No ranking de assuntos mais recorrentes na Justiça do Trabalho de janeiro a novembro de 2019, os pedidos de indenização por dano moral relativos a assédio moral e assédio sexual estão aumentando. Assédio moral está na 29ª posição entre 1.117 assuntos: foram 105.084 processos novos.
Assédio sexual ficou na 277ª posição entre 1.117 assuntos, com 4.478 processos novos. As informações são do Tribunal Superior do Trabalho (TST). O Senado, em cartilha que orienta sobre como agir nesses casos, define: o assédio moral é a repetição constante de gestos, palavras ou comportamentos que expõem um colaborador a situações humilhantes e constrangedoras.
Eu fui vítima
O assédio levou o educador físico Leonardo Mobile, 35 anos, a pedir demissão da academia onde trabalhava há um ano. O morador do Gama pegou um engarrafamento a caminho do trabalho e chegou oito minutos atrasado para a aula que ministrava. Apesar de ter avisado a supervisora sobre o ocorrido, ao chegar ao local de trabalho, foi surpreendido com uma chamada de atenção nada agradável.
“Estava indo ao banheiro e passei pela sala onde estava tendo reunião com vários supervisores, entre eles, a da unidade em que eu trabalhava”, relembra. “Fui avisar que tinha chegado, estava indo tudo bem na aula e ela começou a gritar comigo na frente de todo mundo. Disse que eu não poderia sair nem para ir ao banheiro”. Além da bronca, Leonardo passou a ser pressionado para executar tarefas em cima da hora.
Ao pedir demissão, o educador físico conta que a supervisão tentou fazer com que a ocasião o prejudicasse em outra unidade na mesma rede em que trabalhava. “Queriam queimar meu filme na outra unidade. Minha sorte é que a chefe não aceitou.” Vítima de assédio moral, Leonardo conta que ficou decepcionado com o tratamento que recebeu. “Eu ministro aula das 18h às 21h e não posso ir ao banheiro? As pessoas acham que o professor é uma máquina”, lamenta.
Ele considera que a postura da supervisora está fora do que se espera de um chefe. “Não acho que isso seja comum. O que eu espero de um líder é que não mande, ele lidere, resolva as coisas de igual para igual”, reflete. Se você passou por alguma situação semelhante à de Leonardo, saiba que essa postura está sendo cada vez menos bem-vista pelo mercado de trabalho. Psicóloga e líder do time de recursos humanos da Sólides, Lara Amorim esclarece que o tema tem sido tratado com seriedade nas empresas e que atualmente os empregadores têm prezado pelo respeito e diversidade.
“Acho que hoje a gente está realmente mais preocupado com o capital humano, então essas atitudes que ferem esse aspecto são inaceitáveis”, considera. “É uma questão de respeito, igualdade, saber lidar com as diferenças, não só de questões físicas, mas também de pensamento, de ideias, para que a gente consiga somar e não dividir.”
Um novo perfil de líder
O que as empresas procuram hoje são líderes com perfil mais empático e que saiba resolver conflitos sem precisar abusar do poder. “Antigamente, o líder era muito mais autoritário. O que se espera hoje é que se tenha alguém que saiba engajar a equipe, criando protagonismo. Tem que ter uma sinergia muito grande com o time. Não só gerenciar pessoas e sim desenvolvê-las”, observa Michel Khouri.
A analista de RH Thainá Passos tem observado o aumento na procura por profissionais em cargos de gestão que tenham habilidades mais humanas. “Ter capacidade de se relacionar, se sensibilizar com as pessoas, a capacidade de resolver problemas é muito importante. Estamos falando de um mercado que é muito competitivo e estressante. Então, precisamos de pessoas que façam o caminho inverso”, comenta.
Fazer mais com menos: a onda verde
Além da diversidade, a sustentabilidade é um tema que está em alta. Organizações têm buscado aliar a produtividade com a preocupação com meio ambiente e bem-estar dos funcionários. Nesse sentido, o que se tem valorizado são colaboradores que tenham essa mesma mentalidade: economizar recursos e gerar melhorias para o ambiente de trabalho.
Funcionária do Banco do Brasil há cerca de 20 anos, Ana Emília Monteiro de Barros, conhecida como Mila, 45 anos, levou os hábitos que carrega desde pequena para o ambiente de trabalho. “Aqui eu tenho minha caneca e uma garrafa, trago marmita de casa, tudo isso para evitar usar descartáveis.” Ela, que trabalha como gerente de Soluções na Diretoria de Meios de Pagamentos do banco, conta que conseguiu transformar o cuidado com o meio ambiente em ações e políticas para a empresa.
“Um dos maiores gastos de papel que a gente tem é com a fatura do cartão de crédito. Daí, fizemos um grande movimento para engajar os clientes a optarem pela fatura eletrônica. Não pela redução de custos, mas pelo impacto ambiental”, conta. Lara Amorim aposta que essa é uma característica bastante valorizada pelos empregadores. “A sustentabilidade é muito importante em qualquer ambiente de trabalho e é bem visado aquele colaborador que tem uma soma de produtividade e assertividade. Que saiba fazer mais com menos”, avalia.
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