Estudos mostram que as habilidades emocionais se tornaram ainda mais exigidas no novo cenário corporativo, com destaque para a capacidade de se comunicar. Confira a matéria escrita por Fernanda Colavitti para a Revista Você RH.
Conversas por vídeo, mensagens no WhatsApp e em outras plataformas digitais, além de trocas de e-mails infinitas — muitas vezes, tudo isso ao mesmo tempo. A nova rotina que se impôs para muitos profissionais durante a pandemia de covid-19 se manteve depois de sua fase mais crítica. E a comunicação à distância foi apenas uma das diversas transformações na forma de trabalhar que ocorreram nos últimos dois anos — e que continuam. Natural que, diante desse cenário corporativo, sejam cobradas novas habilidades dos profissionais que atuam nele. Entre elas, a capacidade de se comunicar tem sido considerada essencial por empresas brasileiras e estrangeiras.
É o que mostram dois levantamentos recentes, um realizado pelo site de recrutamento norte-americano ZipRecruiter e outro pela empresa de recrutamento brasileira Robert Half em parceria com a escola de educação corporativa The School of Life Brasil (veja quadro). “Na pandemia e na pós-pandemia, a comunicação se fortaleceu demais. Isso aparece em quase 100% das posições que a gente busca”, afirma Maria Sartori, diretora associada da Robert Half.
Segundo ela, antes de 2020, apenas 5% das vagas disponibilizadas pela empresa eram remotas; agora, essa porcentagem passou dos 50%. “No ambiente virtual, a questão mais preponderante é a comunicação, independentemente de a posição ser para um profissional iniciante ou sênior”, ressalta.
“Comunicação” também está entre os workshops corporativos mais procurados na The School of Life Brasil. “Esse novo modelo de trabalho exige uma comunicação muito mais certeira”, afirma Diana Gabanyi, CEO e responsável pelos projetos corporativos da escola.
Influência do online
A capacidade de se comunicar está incluída no rol das chamadas habilidades emocionais, competências interpessoais ou soft skills. O conceito, que se popularizou como sendo qualquer habilidade humana não relativa ao aprendizado técnico — ou hard skills —, não é novidade para empresas e recrutadores. As soft skills vêm ganhando força nos processos seletivos há alguns anos. O estudo Tendências Globais de Talento, realizado pelo LinkedIn em 2019 com mais de 5 mil profissionais em 35 países, mostrou que 80% dos entrevistados já consideravam as competências interpessoais essenciais para o sucesso das empresas; e que, para 92%, tais habilidades importavam tanto ou mais do que as competências técnicas.
Esse processo foi potencializado e consolidado durante os dois últimos anos, sendo que a pandemia também mudou a priorização de algumas dessas competências.
Segundo Maria Sartori, as soft skills que, assim como a capacidade de se comunicar, se relacionam ao trabalho online ganharam protagonismo. Entre elas controle emocional, calma e organização. “No trabalho remoto, temos que fazer um milhão de coisas ao mesmo tempo. Por isso, ter calma para se organizar é uma habilidade cada vez mais demandada”, afirma.
Ginástica e nutrição mentais
Sabemos que é possível aprender a falar um novo idioma, a trabalhar com um programa de computador ou a operar uma máquina. Mas uma pessoa que não tem a habilidade de se comunicar pode se transformar em um bom orador? E quem não tem a menor paciência, consegue adquirir uma calma zen-budista? Dá para desenvolver soft skills, ou só os sortudos que já nasceram com elas vão se dar bem no novo mercado de trabalho?
Os especialistas são unânimes em afirmar que, sim, é possível desenvolver qualquer soft skill.
O principal requisito para isso, segundo Marcia Miyamoto, professora e coach na The School of Life Brasil, é o bom e velho autoconhecimento. Ou seja, perceber a necessidade de trabalhar determinada habilidade.
“Saber reconhecer suas emoções, as situações em que as sentiu e que impacto você tem gerado ao seu redor são indicadores de quando algo vai bem ou vai mal”, afirma.
Richard Uchôa, CEO da Revvo, empresa de aprendizagem digital corporativa, exemplifica a importância do autoconhecimento para lidar com um dos maiores fantasmas dos profissionais: o medo de falar em público. “A questão pode nem ser falta de capacidade oratória, mas outras coisas que geram bloqueio, como a ansiedade, o senso de julgamento, a síndrome do impostor. É necessário entender o que está por trás de determinada dificuldade”, diz.
Então vem o segundo passo, de acordo com Uchôa: empenho. “É preciso exercitar, treinar. Sem isso, não é possível desenvolver uma nova habilidade. O melhor exemplo é a academia: você não vai um dia só e já fica em forma, é um trabalho constante. Se parar, a barriguinha volta”, compara.
As mais desejadas
Entre as soft skills mais valorizadas segundo estudo da The School of Life em parceria com a empresa de recrutamento Robert Half, duas chamam atenção: calma, desejada por líderes e liderados, e comunicação, em falta em ambos os grupos
*Líderes querem desenvolver em si mesmos espírito empreendedor, calma e comunicação
*Liderados querem desenvolver em si mesmos confiança, calma e liderança
*Líderes querem desenvolver nos liderados comunicação, decisão e objetividade
*Liderados gostariam que seus líderes desenvolvessem em si mesmos comunicação, apoio e empatia
Existem variadas ferramentas para desenvolver soft skills, segundo Renata Spers, diretora do Núcleo Profuturo FIA Business School. Ela afirma que atividades que utilizam métodos centrados no participante, como estudos de caso, simulações e jogos de empresas, são considerados os mais adequados para trabalhar habilidades de comunicação, liderança e negociação, por exemplo.
Um dos exercícios realizados por Marcia Miyamoto para ajudar os alunos a identificar as soft skills que precisam desenvolver é uma ferramenta batizada de mapa emocional.
Ela explica que o exercício consiste em perguntar para as pessoas com quais emoções têm lidado intensamente nos últimos tempos e em quais situações, além de quais soluções elas têm dado e quão efetivas essas práticas têm sido. “Esse mapeamento ajuda a ter uma clareza do que está acontecendo e a se permitir explorar outras alternativas para lidar com aquela situação”, afirma.
Marcia prefere chamar as soft skills de repertório emocional, pois, segundo ela, trata-se de capacidades humanas inatas, que precisam ser nutridas para se manifestar e beneficiar as pessoas não só no trabalho, mas em todos os aspectos da vida. Sendo assim, o objetivo do diagnóstico seria identificar e nutrir esses repertórios por meio de leituras, exercícios, vídeos e atividades em grupo.
A professora cita o exemplo da Toyota, descrito no estudo Skills Change, but Capabilities Endure (em tradução livre, “Habilidades mudam, mas capacidades permanecem”), divulgado em 2020 pela consultoria Deloitte. A montadora japonesa exige que os funcionários aprendam a montar um carro manualmente.
“O objetivo é proporcionar uma experiência visceral, fazê-los sentir todas as dificuldades do processo e, com isso, estimular capacidades como criatividade, resolução de problemas e inovação”, afirma Marcia. “Isso é nutrir soft skills.”
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