ESG exige novas competências da alta liderança

Novas áreas e vice-presidências são criadas para tratar temas ambientais, sociais e de governança. Confira a matéria do Valor Econômico escrita por Barbara Bigarelli.

A pandemia e uma maior pressão de investidores e da sociedade para um posicionamento das empresas em relação a produtos e serviços mais sustentáveis e práticas de inclusão social aceleraram a evolução da agenda ESG no Brasil em 2020. Novas áreas e vice-presidências para tocar essa agenda foram criadas, o que demanda uma capacitação da alta liderança.

No início de janeiro, a TIM anunciou a criação de um comitê de assessoramento do conselho de administração da companhia no Brasil para questões ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês). É um movimento que eleva a discussão ao maior nível da empresa. “Essa agenda, assim, ganha mais foco estratégico e possibilidade de monitoramento maior”, diz Mario Girasole, vice-presidente de assuntos regulatórios e institucionais da TIM.

Com cinco membros, incluindo o CEO da empresa, o presidente do conselho, um acadêmico especializado em economia do meio ambiente e um integrante do conselho da Telecom Itália, o comitê vai definir metas, métricas e iniciativas nos planos trienais da companhia, que terão, pela primeira vez, indicadores ESG. “A área que toca essa estratégia precisa ser multidisciplinar para ter um olhar amplo. É da variedade que criamos a jornada, seja em nível operacional, onde temos engenheiros, advogados, comunicadores e psicólogos, seja no executivo”, diz Girasole.

Criar essa visão transversal, e ser mais ambicioso com essa pauta, também foi o objetivo do BTG Pactual ao unir, em 2020, a área de ESG com a de investimento de impacto. Em 2015, duas pessoas olhavam para essa estratégia. Agora, são nove, incluindo dois sócios. Há engenheiros de segurança que veem o risco socioambiental das empresas investidas pelo banco, economistas que montam produtos de finanças sustentáveis e advogados que olham a abordagem do risco. “Queremos usar a capilaridade do banco para ofertar produtos que tenham viés ESG”, diz a engenheira ambiental Beatriz Freitas, diretora de ESG do BTG.

A área vai crescer em 2021, afirma a executiva, e o banco procura profissionais alinhados aos seus valores, que sejam autodidatas e capazes de filtrar, dentro da agenda ESG global, o que é importante vincular à estratégia da instituição. “ESG não é igual para todas as empresas. Dependendo do setor, precisa ver qual interpretação será feita”, diz Girasole, da TIM.

Por isso a capacidade de leitura do que ocorre no Brasil e no mundo é fundamental. A dificuldade de fazê-la bem é alta, considerando a quantidade de temas da agenda – da tecnicidade de uma economia de baixo carbono às nuances das demandas sociais.

“Há três anos, se um CEO me perguntasse quais bandeiras ele deveria se engajar, eu diria aquelas alinhadas ao seu negócio. Hoje, ser um CEO é mais complexo, e há uma pressão para todos se posicionarem frente a temas latentes na sociedade: da diversidade interna à questão da Amazônia”, diz Carlo Linkevieius Pereira, diretor executivo da Rede Brasil do Pacto Global da ONU. Ele cita que o Edelman Trust Barometer 2021, que entrevistou 33 mil pessoas em 28 países, indicou que 86% acreditam que os CEOs devem se posicionar publicamente sobre os desafios da sociedade. O líder contemporâneo, diz Pereira, precisa ter empatia e uma “mentalidade sustentável”.

Um estudo recente do Pacto Global, com a consultoria Russell Reynolds, indicou os atributos dessa mentalidade: pensamento sistêmico, capacidade de incluir stakeholders no processo de transformação, habilidade para desafiar abordagens convencionais e pensamento de longo prazo, com coragem para quebrar o “tradeoff” entre sustentabilidade e lucro. Mas não adianta, diz Pereira, ter um “CEO superativista com um conselho que não está nessa agenda”.

Muitos conselheiros já sabem disso, e vêm se movimentando para se capacitar e fazer novas perguntas à liderança. “O conselho tem um papel fundamental em fazer perguntas que contribuam para aprofunda reflexão. Isso abrange estratégias ambientais, sociais e de governança, métricas, alinhamentos entre os negócios e as formas de inovar”, diz Patrícia Muratori, diretora do YouTube Brasil e conselheira da Porto Seguro e da Rio Alto Energias Renováveis. Muitas das questões que o conselho pode trazer à tona terão como interlocutor direto o CFO.

“Mais do que prestar contas e garantir o compliance, o CFO ganha um novo papel no ESG, o de business partner, de quem vai alocar capital e atrair parceiros para criar uma agenda de valor transversal”, diz Carolina da Costa, sócia da Mauá Capital e professora do Insper. Nesse movimento, há a necessidade de entender o que o mercado financeiro exige hoje em termos de informação, seja em emissão de carbono, riscos reputacionais, sociais ou climáticos. “Dar conta do desafio exige uma aproximação maior do CFO com comitês que unam sustentabilidade, inovação e RI”, afirma.

Quando a Americanas criou, em 2007, o comitê companhia verde, o foco era estruturar um caminho para a sustentabilidade da empresa. “Agora, a gestão demanda mais eficiência e velocidade para entrega de resultados, identificação de oportunidades, desenvolvimento de projetos socioambientais, produção de relatórios e acompanhamento de uma agenda multidisciplinar”, diz Carlos Padilha, CFO da Americanas. Ele enxerga o profissional de relações com investidores (RI) como o “guardião da governança”. Diante de maior pressão da sociedade, de investidores e órgãos reguladores, Padilha diz que o RI precisa ter resiliência, olhar crítico e atenção à agenda global de ESG.

Entre as novas competências exigidas dos gestores de sustentabilidade estão maior capacidade de articulação, conhecimento de aspectos financeiros e comunicação multilateral. Para Sonia Consiglio Favaretto, especialista em sustentabilidade (SDG Pioneer) pelo Pacto Global da ONU, pensar em ecoeficiência hoje é “obrigação”, o principal é a capacidade de olhar como a sustentabilidade entra como “business”. “Uma aliança do RH com a sustentabilidade permitiria que a área planejasse o desenvolvimento em todos os níveis da empresa”, diz.

Essa aliança já está ocorrendo em algumas empresas, segundo Mariane Montana, sócia da Russell Reynolds e head da prática de ESG/sustentabilidade. “Há demanda para trazer um vice-presidente para o RH que pense em como integrar a sustentabilidade em todo o negócio, porque isso exige uma transformação cultural. É preciso mudar a forma como se desenvolve a liderança e os indicadores que remuneram os executivos.”

Outro movimento que a consultoria vê é a busca por um vice-presidente de sustentabilidade com perfil mais estratégico. No passado recente, essa busca priorizava um perfil mais técnico. “Agora, buscamos executivos de negócios que questionem as decisões tomadas e façam a articulação das novas estratégias com CEO e conselho.”

Em outubro, a NotreDame Intermédica moveu um executivo com background financeiro e capacidade de negociação para o comando da nova vice-presidência de sustentabilidade, riscos e compliance. Anderlei Buzelli diz que seu maior desafio é “desmitificar as questões sustentáveis técnicas e transformá-las em um diálogo mais natural”, e de fácil entendimento a todos os funcionários. “Pensamos em fazer um processo formal de educação, mas o ponto não é esse. O ponto é gerar engajamento – e esse engajamento se dá com comunicação. Estamos desenvolvendo um plano de comunicação demonstrando, por exemplo, programas de energia limpa e tratamento de resíduos. Tentar explicar o que é aquecimento global é muito teórico, não teria apelo”.

Link da publicação: http://bit.ly/3aq91MZ

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