Em seu artigo para a Revista Coaching Brasil, o professor e palestrante Carlos Legal traz algumas lições sobre como aceitar nossas vulnerabilidades.
“Estou convencido das minhas próprias limitações – e esta convicção é minha força”. – Gandhi –
Diante de uma plateia atenta, com um público formado predominantemente por executivos, o ilustre orador recebe a primeira pergunta previamente selecionada. Pensa alguns segundos sobre ela e quando decide falar, solta um desconcertante: “I don’t know”. Lembro-me do sentimento de perturbação e decepção diante dessa resposta, especialmente por se tratar de ninguém menos que Sua Santidade, O Dalai Lama, que na ocasião, abria sua visita ao Brasil durante o mês de setembro de 2011.
Mas o sentimento de decepção durou até a resposta ser complementada com algo como: “bem, mas nós podemos juntos aprender sobre isso” e aquele sentimento inicial deu lugar a uma profunda sensação de alívio. Essa experiência me colocou em contato com uma das minhas maiores fraquezas na época – achar que tudo tem ou deveria ter uma resposta plausível – e o fato do Dalai Lama não ter uma resposta para uma questão da plateia (veja, que a pergunta aqui se tornou irrelevante) ou nem mesmo ter dado uma opinião a respeito, me trouxe na época, uma importante reflexão sobre reconhecer meus pontos fracos, admitir minha ignorância para certas coisas e aprender a se livrar do peso de ter sempre uma resposta para tudo – minha ou dos outros.
Essa ideia foi ampliada quando assisti ao TED Talks de Brené Brown, autora do livro “a coragem de ser imperfeito”, onde ela traz algumas reflexões interessantes sobre vulnerabilidade. Segundo Brené, a vulnerabilidade é o centro do medo e da vergonha, percebíveis no pensamento ou discurso de muitos de nós do tipo “não sou bom o suficiente”, “não sou competente o suficiente”, “não sou bonita ou magra o suficiente”, sendo esses pensamentos apenas sintomas de um modelo mental de escassez e uma profunda desconexão (do ambiente e de si mesmas). A vergonha é o medo da desconexão e as pessoas querem ser aceitas, querem pertencimento, seja essa pessoa um executivo que se esforça para sanar seus “gaps” ou um estudante que vai para terapia para eliminar sua gagueira. Sofrem a pressão de que “aquilo que as pessoas souberem sobre mim poderá me fazer pensar que não mereço pertencer”. Ambos querem conexão, pois é ela que dá significado para a vida.
O problema está no fato de que muitas pessoas se esforçam para tentar acreditar que são suficientemente boas, que suas vidas devem ser perfeitas, pois uma vida comum é uma vida sem sentido. Desenvolvem uma crença de que o oposto de viver em escassez é cultivar o excesso, dando espaço a visões de mundo como “ter uma vida extraordinária” ou “uma carreira espetacular”. No meu entendimento, são frases vazias e sem sentido, que mobilizam as pessoas a agirem sem refletir de que o excesso e escassez são dois lados da mesma moeda, principalmente porque onde há excesso sempre há desperdício.
Brené diz que o oposto da escassez é “o suficiente” e seu reconhecimento e prática na vida gera plenitude. Pessoas plenas, em essência, sabem enfrentar a incerteza, a exposição, os riscos emocionais sabendo que se é o bastante. A vulnerabilidade também é a origem da alegria, da criatividade, do pertencimento e do amor. Vivemos em um mundo vulnerável, onde o tempo todo nós tomamos decisões e fazemos escolhas sem garantias de que o resultado chegará. Se lhe prometerem garantias de resultados, por favor, desconfie! Tudo está no campo da probabilidade e viver perseguindo o controle e as certezas gera um perigo latente, justamente quando gera a falta de reconhecimento das próprias vulnerabilidades. Muitas pessoas vacilam diante de uma decisão por não se sentirem totalmente prontas.
Lia Diskin, uma das pensadoras mais influentes no campo da ética e da cultura de paz, recomenda “que o perfeccionismo não lhe impeça de dar os primeiros passos” e a vulnerabilidade pode nos trazer uma maior coragem e despojamento para agir. Isso é comprovado pelas histórias de pessoas em situações de crise que dão “a virada”, quando percebem que não têm mais nada a perder e então enfrentam a vergonha, o medo e constrangimentos e fazem as coisas acontecerem. Vulnerabilidade não é conhecer vitória ou derrota, é compreender a necessidade de ambas, é se envolver e se entregar por inteiro, fazer o que tem que ser feito com o que se tem. Fazer algo novo quando não se tem nenhuma garantia, de lançar-se numa nova carreira, arriscar um novo passo, iniciar um novo relacionamento. São todas situações de risco, onde as vulnerabilidades estão vivas.
Coragem é uma virtude do coração. E devemos cultivar a coragem para sermos imperfeitos, cultivar a compaixão por nós mesmos e a compaixão pelo outro, porque não podemos ser gentis com os outros sem antes sermos gentis conosco. Pessoas vulneráveis são gentis e autênticas, praticam a gratidão e alegria sem exigir garantias. Sentir-se vulnerável é sentir a própria vida. Pessoas arrogantes tornam certo tudo que é incerto, se apoiam em certezas, em verdades incontestáveis e tentam esconder suas fraquezas. Acabam se tornando desconectadas. Tornamo-nos fortes quando aceitamos nossas vulnerabilidades e somos mais ousados quando aceitamos nossos medos. Ousar bastante hoje, ser maior que a ansiedade, maior que o medo, se expor e agir. Brené diz que “a vontade de assumir os riscos e de se comprometer com nossa vulnerabilidade determina o alcance de nossa coragem e clareza de nosso propósito”.
Mohandas Gandhi foi exemplo de líder que reconheceu suas fraquezas. Em sua autobiografia afirmou ter sido tímido, impulsivo e luxurioso na juventude, sentindo-se muitas vezes, envergonhado por pensamentos e sentimentos que sentia em momentos inoportunos. A autoconsciência sobre suas vulnerabilidades criou em Gandhi uma firme disposição para se refinar como pessoa, melhorando seu autocontrole e seu comportamento geral, dia após dia. Reconhecer sua humanidade básica é uma virtude, pois todos nós somos ou nos tornamos inábeis diante de certos aspectos práticos da vida. Treinar a própria consciência é um caminho consistente para saber investigar e melhorar a si mesmo com certa autonomia. Uma mente habilidosa, capaz de um auto diálogo positivo possibilita melhor qualidade reflexiva e melhores decisões. A maioria das pessoas reflete sobre as próprias ações após reconhecer que cometeu um erro ou uma injustiça. Quando o fazem, certamente é um bom primeiro passo, mas ainda é uma ação reativa. Cultivar uma “reflexão interna”, reconhecer e ter consciência das próprias fraquezas realmente se revela como força de caráter, na medida em que gera compromisso para o aprendizado de novas competências para minimizar comportamentos improdutivos.
Para terminar, volto para a inesperada lição aprendida com Sua Santidade O Dalai Lama. Permitir-se não saber, com o espírito livre, alegre e despojado do aprendiz, que tem na curiosidade, um estilo de vida. E para ajudá-los a manter o espírito de aprendiz, transcrevo os 10 sinais que Brené Brown indica para cultivar uma vida abundante, que uma pessoa plena se esforça para cultivar:
✔ Cultiva a autenticidade, libertando-se do que os outros pensam;
✔ Cultiva a autocompaixão, libertando-se do perfeccionismo;
✔ Cultiva um espírito flexível, libertando-se da monotonia e da impotência;
✔ Cultiva gratidão e alegria, libertando-se do sentimento de escassez e do medo do desconhecido;
✔ Cultiva intuição e fé, libertando-se da necessidade de certezas;
✔ Cultiva o lazer e o descanso, libertando-se da exaustão como um símbolo de status e da produtividade como fator de autoestima;
✔ Cultiva a calma e tranquilidade, libertando-se da ansiedade como um estilo de vida;
✔ Cultiva tarefas relevantes, libertando-se de dúvidas e suposições;
✔ Cultiva risadas, música e dança, libertando-se da indiferença e de “estar sempre no controle”.
Que essas reflexões lhe ajudem a ser cada vez melhor. Tudo de melhor em sua vida.
Link da publicação na íntegra: http://bit.ly/3rTL7AB